O livro “Oração:
a chave do avivamento” (Prayer that brings revival), de Paul Yonggi Cho, é um
clássico pentecostal. Recebi um alerta do Bp. Marcelo Pires, sobre o autor
dizer, na introdução, que o “avivamento” (muitas aspas aí) ocorrido em
Pensacola, na Flórida, foi resultado de suas orações. Acontece que esse
“avivamento” foi um marco da fanerose, o popular “cair no poder”.
Olhei a
introdução em português e não encontrei nada a respeito. No entanto, ao ler o
mesmo livro em inglês, fiquei surpresa ao constatar que a editora brasileira
retirou nada mais, nada menos do que SEIS páginas da
introdução original! Será que acham que adianta tirar o mofo de cima do
alimento embolorado? Se você pensa assim, aviso: fungos liberam toxinas. Mesmo
que os retire e não os veja mais, há, digamos assim, “raízes invisíveis” que
contaminam todo o alimento. Uma vez que a coisa começa a mofar, a única saída
segura para a sua saúde é jogar tudo fora.
Yonggi Cho
parece muito “espiritual” e diz algumas coisas que são verdade, misturadas com
muita toxina, capaz de imobilizar sua fé. Começo com alguns trechinhos da
introdução em inglês traduzida (página 10 à página 17):
” Em
1991, depois de uma temporada de intensa oração e jejum, uma visão profética
começou a se desenrolar diante de meus olhos.(…). Na direção do Espírito Santo,
eu estendi um mapa da América e permiti que o Espírito guiasse minha mão até a
área onde esse avivamento despontaria. Meu dedo parou em Pensacola, uma cidade
da Flórida nada associada a fervor espiritual.”
Me parece aquela prática de comunicação com espíritos, chamada de
“Tabuleiro Ouija”, em que a pessoa utiliza uma superfície plana com letras ou
outros símbolos e deixa que seu dedo, copo ou qualquer outro objeto seja guiado
pela entidade espiritual, para enviar mensagens.
“Naquela
noite em 1991, eu acreditei ter ouvido a voz do Senhor, alta e clara: “Eu vou
enviar o avivamento para a cidade costeira de Pensacola, e ele se espalhará
como fogo até que toda a América tenha sido consumida”.”
“Ele se
espalhará como fogo até que toda a América tenha sido consumida” me parece uma
espécie de ameaça, não parece?…rs…
Após isso, ele
conta que quando o Pastor Kilpatrick soube da “profecia”, e em vez de procurar
saber se aquilo realmente vinha de Deus, começou, em suas orações, a pedir que
aquele “avivamento” viesse logo. A mãe desse pastor adoeceu, e quando ela
morreu, ele estava “fisicamente e emocionalmente esgotado”. Acredito que esse
ambiente de fragilidade emocional do pastor responsável tenha sido importante
para a ação desse espírito enganador.
“Kilpatrick
sentiu a sensação de vento no santuário. Uma pessoa após a outra caiu no chão
assim que Hill orou por elas. Outros choravam, alguns sacudiam violentamente.
Hill fez uma oração simples para Kilpatrick já que ele estava no palco. “Mais,
Senhor”, disse ele, e o pastor caiu no chão, onde ficou por quase quatro
horas.”
Isso foi em junho de 95. Tenha em mente que em janeiro de 94 havia
acontecido o que chamam de “bênção de Toronto”, outro marco do movimento do
“cai-cai”. Sabendo disso, o povo de Pensacola recebeu a Fanerose de braços
abertos, sem questionar.
“Quando
eu bati no chão, me senti como se eu pesasse dez mil libras,” Kilpatrick disse
à revista Charisma. “Eu sabia que algo sobrenatural estava acontecendo. Deus
foi nos visitar.”
O fato de algo sobrenatural estar acontecendo não significa que seja
Deus, ainda mais quando você sente como se pesasse quatro toneladas e meia!
Isso não está certo e não é bíblico. Quem caiu na Bíblia, ou caiu porque
desmaiou – ou quase desmaiou – de medo ou de susto (Daniel descreve como
“desfaleceu a minha formosura”), ou caiu endemoniado, mesmo.
Sempre que
alguém tenta usar um versículo fora de contexto como base bíblica para o
cai-cai, eu me lembro de Ezequiel. Ele teve uma visão espiritual assustadora,
até que se deparou com o trono do próprio Deus e Sua glória. Apavorado, caiu
com o rosto em terra. Os entusiastas da fanerose terminam aí. Acham que ele
caiu por não suportar a glória de Deus. O que acaba com todas as dúvidas em
relação a um provável apoio ao cai cai como manifestação do Espírito de Deus
são os dois versículos seguintes. Com Ezequiel estatelado diante dele, qual
foi reação de Deus? (Ezequiel 2:1,2)
“Esta
voz me disse: Filho do homem, põe-te em pé, e falarei contigo.
Então, entrou em mim o Espírito, quando falava comigo, e me pôs em pé, e ouvi o
que me falava.”
Amigos, não está bem claro? Quando recebeu o Espírito Santo, Ezequiel
ficou de pé. E Deus ainda colocou a condição: “põe-te em pé, e falarei
contigo”. O espírito manifestado em Pensacola com certeza não é Aquele que
falou com Ezequiel.
Bem, daí para
diante, a igreja de Pensacola inchou, e Cho cita esse fato como se fosse prova
de que era de Deus. Número de pessoas na igreja não significa aumento de
pessoas salvas. O ser humano é doido por um showzinho, e é isso que a
manifestação emocional/demoníaca (uma coisa leva à outra, não duvide) traz.
O autor ainda
tenta me convencer a ser educadinha com o diabo:
“Contudo, o
arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo, e disputava a respeito do corpo
de Moisés, não se atreveu a proferir juízo infamatório contra ele; pelo
contrário, disse: O Senhor te repreenda. Estes, porém, quanto a tudo o que não
entendem, difamam; e, quanto a tudo o que compreendem por instinto natural,
como brutos sem razão, até nessas cousas se corrompem. “(Jd 1: 8.10.).
Yonggi Cho diz:
“Os versos citados revelam um fato muito significativo sobre nosso
adversário, o diabo. Satanás é um príncipe com um poder considerável. E
Judas diz também que ele não pode ser tratado levianamente, como alguns crentes
costumam fazer. Embora seu poder sobre a propriedade divina tenha sido
destruído, ele ainda é um oponente muito perigoso.”
Judas não está dizendo que temos que respeitar o diabo! Está falando de
um grupo de pessoas dissimuladas dentro da igreja (o autor tirou os versículos
do contexto!). “O Senhor te repreenda” é exatamente o que fazemos quando usamos
o nome de Jesus. Nossa atitude diante do diabo não deve ser: “oh, ele é um
oponente muito perigoso, não podemos tratá-lo levianamente, vamos expulsá-lo
com cuidado, para que não se ofenda”. Davi, diante de Golias, que
representava ali o próprio satanás, disse: “Quem é esse incircunciso filisteu,
para afrontar o Exército do Deus vivo?” Essa é a reação do
nascido de Deus diante do diabo. Se você está com Deus, qualquer ataque contra
você é feito contra o próprio Deus!
Fora isso tudo,
o livro tem vários outros problemas. Vários. Eu não terminaria hoje se copiasse
um por um. Mas vou falar de um deles. Cho substitui tudo (obediência, fé,
confiança, amor, novo nascimento) por uma oração religiosa. Não me entenda mal,
oração e jejum são necessários, mas o autor os explica de forma ritualística e
religiosa, como se houvesse um código secreto para se chegar até Deus.
Esse era um dos
grandes problemas que eu tinha nas outras igrejas. Você aprende a “receita” da
“oração eficaz” e procura indícios emocionais que lhe “provem” que recebeu
alguma resposta. Não ensinam a usar a fé. Não fazem a menor ideia do que ela
significa. Sem convicção e certeza, a oração é ineficaz, são palavras
vazias. A oração pode ser um aparelho para se comunicar com Deus, mas a fé é a
linha telefônica. Se o pastor não ensinar o povo a usar sua fé, não adianta
ensiná-los a orar, pois será como ter um iPhone sem ter uma linha habilitada.
No caso de Cho, um iPhone quebrado.
A pessoa não
deve seguir um manual religioso ao orar, basta conversar com Deus, com suas
palavras, com sua simplicidade, mesmo que não seja muito eloquente. A Bíblia
diz que Moisés falava com Deus como quem fala com um amigo. A pessoa é capaz de
passar horas me contando seu problema, explicando com detalhes seu sofrimento,
mas quando eu lhe digo para falar com Deus, ela não sabe como fazer. Ué, mas
não acabou de contar toda a sua vida para mim? E nem adianta me dizer que é
porque não vê Deus, pois hoje em dia as pessoas têm a maior facilidade em
desabafar pela internet com quem nunca viram na vida. Pense que é como se você
tivesse um Msn na cabeça e Deus estivesse online 24 horas. Você não falaria com
Ele o tempo todo? Não é
muito mais simples do que a religião faz parecer?
A forma desse
livro explicar a oração afasta as pessoas de Deus. Mesmo que o autor diga que
você também pode fazer o que ele faz, deixa toda a experiência tão mística,
emocional e distante, que parece totalmente impossível ter uma comunhão decente
com Deus! Ele diz que antes de cada reunião, leva horas de oração religiosa…
“Antes
de subir ao púlpito para pregar, tenho que passar pelo menos duas horas em
oração. Quando vou pregar no Japão (…) tenho que passar pelo menos de três
a cinco horas em oração. Como sempre prego em japonês, sinto com muita
nitidez a grande oposição espiritual (…) Portanto, tenho que passar todo
este tempo em oração, para conseguir impedir a ação das forças espirituais
do mal, e preparar meu coração para o ministério da Palavra. Com uma
comunhão tão intensa, não disponho de tempo para dedicar à convivência com
outros crentes, como certamente gostaria de fazê-lo.”
Me diz se esse parágrafo não te faz achar que esse tipo de “comunhão
intensa” é apenas para Super Crentes? Me pergunto se Paul Yonggi Cho
sobreviveria se tivesse de fazer reuniões de libertação com milhares de
pessoas, programas de televisão, evangelização em presídios e ainda atender
pessoas com diversos tipos de problemas depois de cada reunião em uma igreja
aberta de domingo a domingo, de manhã até à noite, e que é atacada,
odiada, alvo de todos os tipos de trabalhos espirituais do
mal absolutamente o tempo inteiro.
Para dizer a
verdade, esse foi um dos piores livros que já resenhei até agora, pois sem
aquele pedaço da introdução, pode passar como um alimento espiritual positivo,
já que fala muitas coisas certas, o cara parece super espiritual, enaltece seu
ministério de todas as formas possíveis e se “Bom dia, Espírito Santo” enganou
muita gente boa, creio que Yonggi Cho tem um potencial destrutivo bem maior.
Para ler as
resenhas arquivadas, Clique aqui. E para ler as recentes, clique aqui.
PS: Fiz um texto explicando detalhadamente
essa passagem de Judas, sobre Miguel e o diabo, caso alguém ainda tenha dúvida. Clique
aqui para ler.
PS2: Repito o que disse em outra
resenha: Antes que alguém me venha com “reter o que é bom”, se o livro é
inspirado por espírito enganador, como reter o que é bom? Vamos aprender a não
retirar os versículos de seu contexto. Paulo diz: “Não desprezeis as profecias; julgai todas as coisas, retende o
que é bom; abstende-vos de toda forma de mal” (I Tessalonicenses
5:20-22)
Update: Nem todos os livros que não são da IURD são
“do mal”. Esta série fala de não se deixar levar pelas aparências. Quanto ao
fato de eu apoiar quem limita sua leitura espiritual aos livros da IURD,
escrevi a respeito aqui. Clique para ler.
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