“A Cabana” (“The
Shack”, Editora Arqueiro), de William P. Young, é um dos livros mais citados
nos comentários desta coluna. O pior desse livro, na minha opinião, é que
também é fácil achá-lo interessante, desde que você esteja suficientemente
desatento ou não tenha nenhuma opinião sólida a respeito dos assuntos
abordados. Devo confessar que a única coisa de que me lembro da primeira
leitura que fiz deste livro (séculos antes de ter esta coluna e, portanto, sem
muito senso crítico) é de ter pensado: “puxa, como esse cara conseguiu enfiar
um livro tão religioso na estante de romances seculares?” Lembro-me de que era
uma metáfora (ou entendi como se fosse), uma fábula, e que falava sobre ter um
relacionamento com Deus. Fora isso, me recordo de não ter gostado do tom
excessivamente emocional. Não me lembrava de mais nada (por que será que gosto
de
“romances de amnésia”?).
Mas na segunda leitura me perguntei por que da primeira vez não joguei “A
Cabana” pela janela. Não me deixem esquecer.
Mack é casado e
teve três filhos. Sua mulher é uma cristã fervorosa, participa das atividades
de sua igreja e chama Deus de “Papai”. Durante um acampamento em família, uma
tragédia acontece: Missy, a filha mais nova de Mack, é raptada e assassinada em
uma cabana. Anos se passam e Mack continua em depressão por conta do crime,
pois não se conforma com a crueldade que lhe roubou a criança de cinco anos, e
se ressente de Deus. Certo dia, recebe um bilhete:
Mackenzie
Já faz um tempo. Senti sua falta. Estarei na cabana no fim de semana que
vem, se você quiser me encontrar.
Papai.
Como Mack matou
o pai alcoólatra e abusivo quando era adolescente, aquele bilhete é ainda mais
perturbador. Após alguma hesitação, vai até a cabana onde sua filha foi
assassinada. Adormece, e quando acorda, ela está totalmente diferente e
habitada por três estranhas criaturas. São os três piores personagens do livro,
mal construídos. Era para ser a trindade. Deus Pai aparece em forma de
uma “negra enorme”, nas palavras do autor. Ela o abraça, espalhafatosa e
caricata. A explicação para que apareça em forma feminina é até plausível:
“Se eu me revelasse a você como uma figura muito grande, branca e com
aparência de avô com uma barba comprida, simplesmente reforçaria seus
estereótipos religiosos. É importante você saber que o objetivo deste fim de
semana não é reforçar esses estereótipos.”
Ok, tem alguma
lógica nessa desculpa. O problema é que não é apenas uma questão de aparência
para “quebrar o gelo” ou “não reforçar os estereótipos”. A mulher cantarola,
assa bolinhos, e todo seu comportamento me fez pensar: “que deus mais
dissimulado, falso, fica o tempo inteiro representando um papel…o que aconteceu
com o ‘Eu sou o que sou’?”. Eu tive essa impressão de dissimulação o tempo
todo.
Mack está
angustiado, procurando respostas para a tragédia que se abateu sobre a sua
família, mas não as encontra nunca. Sempre que faz alguma pergunta, recebe
respostas evasivas e emocionais. Aliás, linguagem do livro é totalmente emotiva.
Ah, eu já ia me
esquecendo do restante da trindade. O “Espírito Santo” é representado como uma
mulher asiática chamada Sarayu…a descrição me trouxe à mente algo próximo a uma
fadinha: ”
“Ela parecia tremeluzir na luz e seu cabelo voava em todas as direções,
apesar de não haver nenhuma brisa. Era quase mais fácil vê-la com o canto do
olho do que fixando-a diretamente”.
Amigos, meu
cabelo também voa em todas as direções, mas resolvo rapidinho com um bom creme
sem enxague. Não entendi muito bem qual é a real utilidade desse ser, e pelo
visto, o autor também não. Ela fica tremeluzindo para lá e para cá, recolhendo
lágrimas com um pincel (para colecionar), mexendo no jardim e fazendo discursos
melosos e desconexos. Realmente, não tem nada a ver com
o Espírito Santo que eu conheço…
Aí me lembro de
quando o Espírito de Deus se apossava de Sansão…a Bíblia diz que ele matou um
leão com suas próprias mãos, lembra? E mil homens com uma queixada de jumento.
Imagino essa figura Sarayu se apossando de Sansão e o herói rodopiando entre
seus inimigos, dançando e recolhendo lágrimas…ou fazendo carinho no leão e
oferecendo o braço para ser comido.
E Jesus…bem, o
Jesus de “A Cabana” me pareceu um bobalhão inexpressivo, apesar do “Papai” do
livro dizer que Ele é o centro de tudo, não dá para entender o porquê.
“O homem, que parecia ter 30 e poucos anos e era um pouco mais baixo do
que Mack, interrompeu:
- Tento manter as coisas consertadas por aqui. Mas gosto de trabalhar com as
mãos, se bem que, como essas duas vão lhe dizer, sinto prazer em cozinhar e
cuidar do jardim.”
Jesus gosta de
cuidar do jardim. E o jardim são as almas humanas. Nem preciso dizer o que me
veio a cabeça:
Jesus é o Jardineiro…
Eu já disse em
outro texto que tenho um bom raciocínio lógico, não é? Isso tem um efeito
colateral. Sabe aquele amontoado de frases bonitas, emocionais, mas sem muito
sentido, que as pessoas leem e dizem: “nossa, que lindo?” Eu não consigo achar
lindo. Só o que vejo é que elas não fazem sentido. Sou o tipo de gente que se
ouvir uma melodia linda, mas com uma letra horrível ou sem nexo, não vai gostar
da música. E posso gostar de uma música com melodia ruim, desde que tenha uma
letra inteligente.
“A Cabana” tem
uma melodia feita para emocionar, mas a letra é confusa e sem nexo. Mack tenta
pensar, mas “deus” faz com que ele sinta. Tudo é sobre o amor, mas não o amor
que a Bíblia descreve e explica, e sim, o amor-sentimento. Você pode
achar lindo, pode parecer que é um deus condescendente, que dá para encaixar
mais facilmente na caixinha que tem em cima do criado-mudo, mas não é o
verdadeiro Deus.
“Deus, que é a base de todo o ser, mora dentro, em volta e através de
todas as coisas”
Isso é dito pelo
“jesus” de William Young. Me parece uma definição emprestada de alguma linha
esotérica. Deus mora dentro, em volta e através de todas as coisas? Quando eu
leio “de todas as coisas” minha tendência é pensar nas coisas mais esdrúxulas,
mais ruins. Deus mora dentro, em volta e através disso também? Deus é puro,
santo e justo. Se a Bíblia não diz que Ele mora dentro de todas as pessoas, vai morar dentro de todas as coisas?
”Quando nós três penetramos na existência humana sob a forma do Filho de
Deus, nos tornamos totalmente humanos”
A teoria aqui é
que a trindade estava encarnada em Jesus, 100% humano. O que faria com que o
universo inteiro ficasse sem Deus por 33 anos. Imagine o que o diabo não faria
com um universo desgovernado em suas mãos por 33 anos? Mas isso não é problema
para o deus de “A Cabana”, pois o diabo não é sequer mencionado. E outra, se
fosse assim, Jesus precisaria orar ao Pai? E falaria do Pai e do Espírito Santo
em terceira pessoa?
O deus de Young
diz:
“Há milhões de motivos para permitir a dor, a mágoa e o sofrimento, em
vez de erradicá-los, mas a maioria desses motivos só pode ser entendida dentro
da história de cada pessoa.”
Primeiro: há
milhões de motivos, mas ele não cita nenhum. Se era o caso de dizer que
dependia da história da pessoa, poderia ter começado pela história do próprio
Mack. O que eu entendo desse trecho é que Deus permite o sofrimento por um
motivo, para um resultado positivo…a ideia de “provação” ou “karma” poderia ser
empregada aqui. Ideia totalmente equivocada. O confuso autor tenta explicar o
que não entende.
Por enquanto só quero que você esteja comigo e descubra que nosso
relacionamento não tem a ver com seu desempenho nem com qualquer obrigação de
me agradar.
Quer dizer que é
possível ter um relacionamento com Deus sem agradá-lo? Que tipo de
relacionamento é esse que não tem a ver com nosso desempenho ou esforço? Que
porta larga é essa? Nenhum relacionamento verdadeiro se sustenta sem o esforço
de agradar ao outro, nenhum relacionamento independe de desempenho, só o
emocional, vazio e inócuo que o deus Young tenta vender aos leitores.
Não sou um valentão nem uma divindade egocêntrica e exigente que insiste
que as coisas sejam feitas do jeito que eu quero. Sou boa e só desejo o que é
melhor para você. Não é pela culpa, pela condenação ou pela coerção que você
vai encontrar isso. É apenas praticando um relacionamento de amor. “
Esse é o “estilo
literário” do próprio diabo, distorcendo a verdadeira imagem de Deus. Lembro
das palavras do espírito maligno que apareceu para o amigo perturbado de Jó:
“Eis que Deus não confia nos seus servos e aos seus anjos atribui
imperfeições” (Jó 4:18)
Analise a lógica
distorcida do diabo. Na opinião dele, não foi ele quem caiu, não foi ele que
errou, Deus é que lhe atribuiu imperfeições! Esse mesmo raciocínio pode dizer
que Deus exige que as coisas sejam feitas da maneira correta não porque Ele é
santo e justo, mas porque Ele é “uma divindade egocêntrica e exigente”.
Por fim, Mack
encontra os mortos. Primeiro, vê sua filha e…sentimentalismo,
sentimentalismo…depois, encontra seu pai (o que ele está fazendo no céu? Boa
pergunta. Nesse livro, todo mundo vai para o céu), em um dos capítulos mais
esquisitos do livro. Te convido a analisar de maneira fria e cerebral o
seguinte trecho:
Quando chegou a Sarayu, ela o abraçou também e ele deixou que ela o
segurasse enquanto continuava a chorar. Quando recuperou uma leve
tranqüilidade, virou-se para olhar de novo a campina, o lago e o céu noturno.
Um silêncio baixou. A antecipação era palpável. De repente, à direita, saindo
da escuridão, surgiu Jesus e o pandemônio irrompeu. Ele vestia uma roupa branca
e usava na cabeça uma coroa simples de ouro, mas era, em cada centímetro do seu
ser, o rei do universo.
Note a carga
emocional desse trecho. Ela o abraça, ele chora…depois as descrições
sensoriais: cita a tranquilidade, faz o leitor “ver” a campina, o lago e o céu
noturno (céu noturno, para que você também “veja” as estrelas em sua
imaginação), depois faz o leitor “escutar” o silêncio. ”A antecipação era
palpável” te traz uma sensação de expectativa. “De repente” te traz uma nova e
súbita visão. Ok, é um romance, é necessário utilizar recursos que evoquem
emoções e sensações no leitor, porém quando o livro não tem nada além disso,
passa a ser um problema: Você está sendo manipulado. Entendendo isso, analise a
sequência:
Seguiu pelo caminho que se abriu à sua frente até chegar ao centro – o
centro de toda a Criação, o homem que é Deus e o Deus que é homem. Luz e cor
dançavam e teciam uma tapeçaria de amor para ele pisar. Alguns choravam,
dizendo palavras de amor, enquanto outros simplesmente permaneciam de mãos
levantadas. Muitos daqueles cujas cores eram as mais ricas e profundas estavam
deitados com o rosto no chão. Tudo que respirava cantava uma canção de amor e
agradecimento sem fim. Nessa noite o universo era como devia ser.
Sensorial,
sentimental…Quando ele fala de “luz e cor” é porque, segundo ele, a
personalidade e as emoções das pessoas são visíveis espiritualmente como cor e
luz. Agora me diga, please, o que raios significa “Luz e cor dançavam e teciam uma
tapeçaria de amor para ele pisar”? Temos aqui uma construção que traz sonoridade…e só. Como uma
melodia com letra desconexa, mas se você prestar atenção, é uma melodia pobre,
vazia. Parece bonita, mas nem isso é. E assim eu vejo todo esse parágrafo. Mas
o próximo é pior:
Quando chegou ao centro, Jesus parou para olhar em volta. Seus olhos
pousaram em Mack, que, parado na pequena colina, ouviu Jesus sussurrar em seu
ouvido:
— Mack, eu gosto especialmente de você. – Foi tudo que Mack conseguiu suportar
enquanto caía no chão dissolvendo-se numa onda de lágrimas jubilosas. Não podia
se mexer, preso no abraço de Jesus, feito de amor e ternura.
Amigos, vejo uma
fanerose aqui? Mack “caiu no poder”? Fora isso, note a quantidade de
sentimentalismo e termos sensoriais. Sem contar a breguice das frases, me
desculpe, mas “Dissolvendo-se numa onda de lágrimas jubilosas”…”feito de amor e
ternura”…bleargh.
Não vou me
estender sobre os recursos literários que me irritam em Young, porque o
conteúdo do livro já o desqualifica como leitura, então não adianta eu te dizer
que ele não é bem construído. O perigo é ele fisgar o coração dos leitores e
convencê-los de que aquilo que ele descreve é Deus.
Para escrever
sobre “A Cabana”, dei uma olhada em alguns comentários de pessoas que o
leram e fiquei assustada. Muitos mudaram sua forma de enxergar Deus por causa
do livro! Isso é muito sério! As pessoas tomam a ficção como se fosse verdade,
acima até da Bíblia. Isso é resultado apenas de uma coisa: do tipo de fé que
estão acostumadas a ter. Se a sua fé é emocional, você vai se deleitar com as
frases melosas desse livro, vai desejar estar naquela Cabana, com aqueles seres
“fantásticos”.
Mas o resultado
disso é que se verá orando para, adorando a, e desejando se
relacionar com um personagem que não é Deus. Na melhor das hipóteses, é
somente criação da mente confusa do autor. E na pior das hipóteses é a entidade
que inspirou tudo isso. Em qualquer uma das opções, perderá a oportunidade de
conhecer o verdadeiro Deus e dará sua adoração a outro. E quando falamos de
salvação eterna, isso, meus amigos, é mais do que perigoso.
UPDATE: Troquei a imagem do
post, porque me dei conta de que tem gente tão desatenta, mas tão desatenta (ou
tem preguiça de ler),
que nem o título lê direito, vê apenas a imagem da capa e acha que é a
Cristiane indicando o livro! Assim, se não quiserem ler, pelo menos
perceberão que eu não estou indicando o livro (muito menos a Cristiane!).